Retrospectiva - 1º Semestre de 2022
Mais um semestre finalizado e a Descodificado não poderia deixar de relembrar os assuntos que mais bombaram em suas edições. Nessa semana, vamos relembrar três casos que foram assunto por aqui. O primeiro foi o debate acerca da regulação de plataformas, resumido na discussão do PL 2.630/2020, que não avançou na Câmara dos Deputados. No Senado, relembramos o trabalho da Comissão de Juristas, que analisa uma proposta de regulação do uso da inteligência artificial no país. Tudo indica que o tema continuará no segundo semestre. Por fim, a polêmica mais falada do primeiro semestre, o possível bloqueio do Telegram e sua drástica mudança de postura.
Na próxima edição, que continuará com a retrospectiva, focaremos no trabalho do Tribunal Superior Eleitoral e as expectativas em torno do que será um dos mais importantes eventos da história recente brasileira, as eleições presidenciais de 2022.
Aconteceu no semestre
Regulação de plataformas: oportunidade desperdiçada
O PL 2630/2020, que dispõe sobre a regulação de plataformas de mídias sociais, mensageria instantânea e ferramentas de busca, foi um dos principais debates no Congresso Nacional neste primeiro semestre de 2022. Após ser aprovado de forma acelerada e com pouco debate no Senado Federal, em 2020, o projeto passou por um longo período de audiências públicas e debates mais aprofundados no "Grupo de Trabalho de aperfeiçoamento da legislação brasileira - Internet". Deste coletivo saiu a proposta de texto com grandes melhorias, como o foco em obrigações de transparência, no devido processo em moderação de conteúdo e em direitos dos usuários. A expectativa, no final de março deste ano, era a aprovação da urgência da matéria pelo Plenário da Câmara, seguida da análise de seu mérito, uma vez que o próprio presidente da Casa, Arthur Lira (PP/AL), explicitou a prioridade do projeto. Não foi o que aconteceu.
No dia 6 de abril, os deputados federais rejeitaram o requerimento de urgência, interrompendo sua tramitação. No então cenário de tramitação, transformado pela pandemia da Covid-19, a aprovação da urgência era passo fundamental para que a proposta fosse levada para a discussão de mérito no Plenário. Isso nunca aconteceu.
De acordo com especialistas, alguns fatores implicaram no resultado. Primeiro, foi o aumento da articulação do Governo Federal contra a proposta. Em segundo lugar, foi a forte presença das empresas de tecnologia, que se opuseram ao texto final do PL.
Grupos da sociedade civil apontaram a oportunidade perdida de se debater a regulação de plataformas no Brasil. O tema tem sido alvo de debates no mundo todo. O parlamento europeu, por exemplo, aprovou, em julho deste ano duas importantes legislações, o Digital Services Act e o Digital Markets Act. Durante a visita de Frances Haugen ao Brasil, a ativista e whistleblower do Facebook apontou a importância desse passo dado na Europa.
Ao fim, o PL 2630/2020 esfriou e tudo indica que não será analisado no curto prazo, tendo em vista o início do processo eleitoral. O debate sobre regulação de plataformas, no entanto, continua e, mais cedo ou mais tarde, caberá ao nosso Legislativo se debruçar sobre o assunto.
Congresso avança no debate sobre Inteligência Artificial
Outro grande tema do primeiro semestre no Congresso Nacional, e que também encontra paralelos no mundo todo, foi o debate em torno do desenvolvimento e da utilização da Inteligência Artificial. Na Câmara, o PL 21/20, que pretende estabelecer princípios, direitos e deveres para o uso de inteligência artificial (IA) no Brasil, foi aprovado a toque de caixa mesmo com inúmeras dúvidas colocadas pela sociedade civil. Segundo a Coalizão Direitos na Rede, o texto ignora a complexidade do tema, desvaloriza a discussão sobre dados pessoais e prevê regime de responsabilidade civil prejudicial aos cidadãos brasileiros.
Ao chegar ao Senado Federal, sua tramitação, no entanto, foi desacelerada. Para a análise deste e de outros dois projeto (os PLs 5.051/2019 e 872/2021) sobre o mesmo tema, a Casa decidiu pela instalação, no final de março, de uma Comissão de Juristas do Senado Federal (CJUSBIA), composta por 18 membros. O espaço foi considerado benéfico para o aprofundamento da matéria, contudo, sua composição foi alvo de críticas ao se constatar a ausência de integrantes negras e negros ou indígenas, como também não levou em conta a representatividade regional. Reconhecido os efeitos que a inteligência artificial pode ter ao reforçar ou criar formas de discriminação baseadas em raça, gênero, orientação sexual, classe e ideologia, se faz extremamente essencial que diversas visões, especialmente dos grupos mais afetados, sejam contempladas em regulações.
O coletivo, por sua vez, realizou 4 audiências públicas com mais de 60 especialistas ao longo de 12 painéis. Nelas, identificou-se um consenso a respeito da necessidade de regulação da tecnologia como forma de mitigação de riscos. Estes foram tratados em quase todos os painéis, em questões como discriminação e viés algorítimicos. Em junho, a comissão promoveu mais dois dias de seminário com a presença de especialistas internacionais do setor.
A expectativa é que o coletivo apresente, no início do segundo semestre, uma proposta de texto que deve seguir em tramitação, ainda que lenta por causa do período eleitoral. O Plenário do Senado deve se debruçar sobre o tema em um futuro próximo.
Bloqueio de aplicativos: o caso Telegram
O tema mais bombástico do primeiro semestre teve início logo em janeiro de 2022, quando as conversas acerca de um possível bloqueio do Telegram esquentou em Brasília, após diversas tentativas frustradas de contato do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com a plataforma. Para integrantes da Corte, o aplicativo se apresentava como uma ferramenta de disseminação de desinformação que poderia levar riscos ao pleito eleitoral do segundo semestre. A empresa sempre foi reconhecida pelo pouco diálogo e cooperação com autoridades públicas no mundo todo. Vale lembrar, e isso será aprofundado na próxima edição da Descodificado, que o TSE desde o fim do ano passado tem atuado fortemente na construção de parcerias com as principais plataformas digitais.
O que tinha tudo para acontecer, aconteceu. O estopim foi no dia 18 de março, quando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pelo bloqueio do aplicativo em todo o território nacional. Segundo a decisão, a empresa havia descumprido, reiteradas vezes, ordens judiciais que pediam a suspensão das atividades do blogueiro extremista Allan dos Santos, dentre outros pontos. A ordem foi considerada controversa e levantou preocupações de especialistas quanto à maneira como foi feita, apesar de reconhecidos os problemas da plataforma.
A novela, no entanto, estava longe de acabar. No mesmo dia, o CEO do Telegram, Pavel Durov, publicou mensagem no próprio aplicativo pedindo desculpas ao STF. Dentro do prazo estipulado por Moraes, a empresa correu para cumprir com todas as determinações listadas: (i) removeu publicação do presidente Bolsonaro em seu canal oficial onde promovia desinformação contra a urna eletrônica; (ii) bloqueou canais indicados; (iii) indicou representação oficial no Brasil, garantindo a capacidade de responder às solicitações dos órgãos da justiça; e (iv) relatou várias medidas para combater desinformação na plataforma. Tudo isso chamou a atenção dos especialistas, que viram mudança significativa de postura da empresa. Moraes, por fim, revogou a determinação de bloqueio.
Na mesma semana, a plataforma encontrou-se com o Tribunal Superior Eleitoral, que reforçou o convite para que aderisse ao Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal. No dia 16 de maio, o Telegram, finalmente, assinou acordo de colaboração mútua com a Corte, transformando o TSE no primeiro órgão eleitoral no mundo a assinar algo desse tipo com a plataforma.