Marco Civil da Internet na mira
O Marco Civil da Internet virou o alvo do debate sobre regulação de plataformas no Brasil. Na última semana, dois eventos falaram sobre o tema: um seminário realizado pela Fundação Getúlio Vargas, que reuniu atores políticos de peso e um seminário feito por Associações ligadas à comunicação, sobre a era digital.
Outra área do governo federal que entrou na discussão do combate à desinformação foi a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), que anunciou a preparação de ações que visem coibir a desinformação onde há relação de consumo.
No Legislativo, a Câmara definiu a presidência de quase todas as comissões permanentes. Além disso, vale destacar a quantidade de propostas protocoladas que possuem o Marco Civil como objeto
Outro destaque da edição é a escolha de um caso brasileiro que será analisado pelo Oversight Board da Meta. O caso envolve eleições e os ataques do dia 8 de janeiro.
Por fim, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) será investigada pela Polícia Federal (PF) por espionagem dos cidadãos.
Secretário fala sobre regulação, PL 2.630/20 e Marco Civil da Internet
O secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social (Secom) expôs, em entrevista, alguns posicionamentos acerca do modelo de responsabilidade das plataformas digitais. Dentre eles, a necessidade de encontrar um equilíbrio que evite a remoção excessiva de conteúdo, mas também evite a disseminação de conteúdos ilegais, e destaca o que foi feito na legislação alemã. O debate esquentou ao longo das últimas semanas ao colocar o artigo 19 do Marco Civil da Internet no centro do debate.
Hoje, as plataformas não são responsáveis pelos conteúdos de terceiros, mas uma das exceções a isso são as violações aos direitos autorais. Quanto ao assunto, Brant destacou a rigorosidade das plataformas quanto a esse tema e enfatizou que não há motivos para isso ser mais protegido do que a democracia. O secretário mencionou que devido ao grande problema da desinformação que temos passado, todos os países estão olhando para nós e por isso, o Brasil deve liderar os esforços globais nesse combate.
Sobre a necessidade de um órgão regulador para as plataformas, Brant apontou que ele não deve decidir sobre casos individuais, mas é preciso uma estrutura para observar e fiscalizar as obrigações das plataformas. Por fim, ele ainda enfatizou a gravidade do impulsionamento e monetização de conteúdos falsos e afirmou que essa prática deve ser desestimulada, a fim de evitar que se torne um modelo de negócios.
Regulação de plataformas é tema de evento com os três Poderes
Na última segunda-feira, 13, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) promoveu o evento “Liberdade de Expressão, Redes Sociais e Democracia”, que contou com a presença de integrantes do governo, do Judiciário e do Legislativo.
O ministro da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Flávio Dino, afirmou que o texto em elaboração no Governo Federal para apoiar o debate da regulação de plataformas no Congresso Nacional terá como premissa a responsabilização das grandes plataformas digitais. O ministro enfatizou que não será puramente punitivista, mas terá um “cuidado mais qualificado” para os seguintes temas: crianças e adolescentes, terrorismo, direitos humanos e violação ao Estado Democrático de Direito. De acordo com Flávio Dino, as questões relativas ao órgão regulador ainda não foram definidas. Outros pontos que integram o texto são as questões relativas às obrigações de transparência, e ao devido processo legal e administrativo. O ministro também anunciou, em entrevista, que o texto será entregue nesta semana.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), destacou que o equilíbrio para o tema é uma necessidade e que abrir mão de um deles seria mergulharmos em uma “instabilidade social”.
Já o relator do PL 2.630/2020, deputado Orlando Silva (PCdoB), descreveu todo o percurso da proposta e destacou alguns pontos que considerou importantes. Primeiro, defendeu a imunidade parlamentar no texto sob o argumento de que o dispositivo não oculta crime nem criminoso. Sobre o assunto, Silva acrescentou que os parlamentares também são submetidos aos termos de uso e políticas das próprias redes sociais e à legislação do país. Outro ponto destacado foi a insuficiência da autorregulação das plataformas. O deputado defendeu que a soma da autorregulação com a regulação propriamente dita, que resulta na chamada autorregulação regulada, é o caminho ideal. O chamado devido processo - como as plataformas devem proceder em casos de moderação de conteúdo - também foi um ponto enfatizado pelo relator como um mecanismo de proteção da liberdade de expressão. Por fim, Silva afirmou ser “inescapável a revisão do regime de responsabilidade das redes sociais”, trazendo mais uma vez o art. 19 do MCI pro centro do debate.
No âmbito do Judiciário, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes também defendeu a responsabilização das plataformas e mencionou que empresas que não estão abertas a discutir novas formas de responsabilidade devem ser excluídas do debate. Mendes também pontuou que a ilicitude de um conteúdo tem total relação com a proteção já existente no Código Penal.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, contextualizou sua fala em torno dos atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro. Para Moraes, as redes sociais foram instrumentalizadas para os ataques e não podem mais fazer a “política do avestruz” ao se esconder. O ministro argumentou que as plataformas não são apenas empresas de tecnologia, já que faturam com algoritmos, impulsionamentos e monetizações. Complementou exemplificando que o Google foi quem mais lucrou com publicidade no ano passado e, por isso, deve se equiparar a empresas de comunicação e publicidade. Por fim, o ministro declarou que impulsionamento é uma adesão e “se impulsionou, é coautor”.
Associações ligadas a Comunicação exigem simetria das plataformas
Outro evento importante foi o seminário “Desafios e Ações na Era Digital”, promovido pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), na última quarta-feira, 15. O presidente da Associação, Flávio Lara, defendeu a existência de “regras mais simétricas” para as plataformas digitais. Para ele, há necessidade de responsabilização das plataformas pelos conteúdos veiculados online, principalmente notícias falsas ou informações impulsionadas com fins lucrativos. Outros representantes de entidades do setor de comunicação também defenderam a responsabilização. A remuneração aos veículos de comunicação pelos conteúdos autorais distribuídos pelas plataformas, ponto debatido e de grande dissenso durante a tramitação do PL 2.630/2020, também foi defendido pelas entidades. Para debater sobre esses temas, o deputado Orlando Silva também esteve presente e defendeu que plataformas devem remunerar veículos que exerçam atividade jornalística. Durante o evento, também houve a divulgação da “Carta de Brasília”, documento com uma série de propostas e ações para regulação das plataformas digitais no Brasil.
Ação contra desinformação nas relações de consumo
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) está preparando ações de combate à desinformação nas plataformas digitais. O secretário da pasta, Wadih Damous, defendeu que as plataformas devem moderar os conteúdos no que diz respeito às relações de consumo e acrescentou que elas são obrigadas a não publicar, não monetizar e não impulsionar conteúdos de ódio e desinformativos. De acordo com Damous, a Senacon já tem atuado solicitando remoção de propagandas com informações falsas. Além disso, na última semana, o secretário e integrantes da Autoridade Nacional de Proteção de Dados tiveram um encontro para debater um acordo de cooperação técnica entre os órgãos.
Câmara define presidências das comissões
Uma semana após a definição das presidências das comissões permanentes do Senado, na última quarta-feira, 15, a Câmara também concluiu suas negociações na maioria das comissões. Com a mudança realizada esse ano no regimento interno, a Casa passa a contar com 30 comissões permanentes, 4 ainda não tiveram seus presidentes definidos.
Dentre as definidas, podemos destacar a Comissão de Legislação Participativa (CLP) que funcionará sob a presidência do deputado Zé Silva (Solidariedade/MG); a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), com o deputado Rui Falcão (PT/SP) na presidência; a Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação (CCTI) será presidida pela deputada Luisa Canziani (PSD/PR); e a Comissão de Comunicação, que foi um dos desdobramentos realizados pela Casa, terá o deputado Amaro Neto (Republicanos/ES) na presidência.
Caso brasileiro é escolhido para Oversight Board do Facebook
O Oversight Board da Meta, conselho de supervisão independente que analisa casos publicados no Facebook e Instagram, anunciou, na última quinta-feira, 9, ter escolhido um caso brasileiro para apreciar. O conteúdo em análise foi um vídeo publicado por um usuário do Facebook no dia 3 de janeiro de 2023, dois dias após a posse de Lula. O vídeo mostra fala de um general brasileiro convocando pessoas para “ir às ruas” e “assediar” o congresso como “a última alternativa”. O vídeo teve mais de 18 mil reproduções e foi denunciado 7 vezes por 4 usuários diferentes. As denúncias e seus respectivos recursos foram analisados por 7 moderadores humanos diferentes, todos entenderam que o conteúdo não violava a política da Meta. Após a escolha do caso pelo conselho, a Meta afirmou que as decisões pela manutenção do conteúdo foram um erro e que os revisores não registram as justificativas para as decisões.
De acordo com o conselho, o caso foi escolhido para que seja examinado “como a Meta modera o conteúdo relacionado à eleição e como está aplicando seu Protocolo de Política de Crise”.
O conselho receberá, até dia 23 de março, comentários públicos sobre o tema.
PF investiga ABIN por monitoramento da população
Na última quinta-feira, 16, a Polícia Federal (PF) abriu inquérito para investigar o possível monitoramento de celulares de cidadãos realizado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Bolsonaro. O caso foi revelado pelo jornal O Globo, em notícia que levou o ministro da Justiça, Flávio Dino, a levar o caso à PF para apuração. De acordo com a notícia, a ferramenta, chamada de FirstMile, possibilita a identificação de localização da área aproximada, histórico de deslocamento e até criação de alerta em tempo real para movimentações de um alvo. Dias antes da instauração do inquérito a Abin confirmou, em nota, a compra do software em dezembro de 2018 e sua utilização até maio de 2021.
ANPD publica agenda para avaliar desempenho de seus regulamentos
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou, na última terça-feira, 14, a Agenda de Avaliação de Resultados Regulatórios. O objetivo da avaliação é compreender os desempenhos, resultados e efeitos causados pelos regulamentos elaborados no órgão. De acordo com a agenda, o cronograma da avaliação tem início em 2023 e se encerra em 2026. As resoluções a serem avaliadas serão a de Processo de Fiscalização e Processo Administrativo Sancionador e a de Dosimetria e Aplicações de Sanções Administrativas, tratada aqui na Descodificado.
MCI (1). O PL 1087/2023 inclui no Marco Civil da Internet a responsabilidade dos provedores de aplicações da Internet implementarem mecanismos de prevenção e denúncia e sistemas internos de monitoramento de disseminação de discurso de ódio e de incitação ao crime contra mulheres, negros, indígenas e LGBTQIA+. (Dep. Guilherme Boulos - PSOL/SP, Túlio Gadêlha - REDE/PE, Chico Alencar - PSOL/RJ e outros)
MCI (2). O PL 1177/2023 altera o Marco Civil da Internet para prever que aplicações de Internet disponibilizem aos usuários mecanismo para requerimento de suspensão ou bloqueio de atividades das contas as quais o usuário seja titular e que teve a segurança comprometida. (Dep. Maurício Carvalho - UNIÃO/RO)
MCI (3). O PL 1116/2023 altera o Marco Civil da Internet para prever a responsabilidade ética dos provedores de redes sociais. (Dep. Hercílio Coelho Diniz - MDB/MG)
Divulgação. O PL 1145/2023 prevê como agravante da pena de qualquer crime a divulgação da execução do delito em redes ou mídias sociais. (Dep. Rubens Pereira Júnior - PT/MA)
IA. O PL 1153/2023 institui o Centro Nacional de Inteligência Artificial (IA), dispõe sobre seus objetivos e normas gerais para uso e desenvolvimento da IA. (Dep. Carlos Henrique Gaguim - UNIÃO/TO)
PNDD. O PDL 72/2023 susta dispositivos do Decreto que institui a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD), da Advocacia-Geral da União (AGU). (Dep. Evair Vieira de Melo - PP/ES)
JOTA
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